Mal tendo terminado a leitura da excelente biografia Giane (Guilherme Fiuza), do primeiro livro da trilogia 50 tons e da série Toda Sua (Silvia Day), comecei imediatamente a ler um dos Best Sellers do momento!
O livro GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL, escrito pelo Leandro Narloch. ESTOU ADORANDO !
EXISTE UM ESQUEMA tão repetido para contar a história do Brasil, que
basta misturar chavões, mudar datas ou nomes, e pronto. Você já pode
passar em
qualquer prova de história na escola. Nesse livro, o jornalista Leandro
Narloch prefere adotar uma postura diferente – que vai além dos mocinhos
e
bandidos tão conhecidos. Ele mesmo, logo no prefácio, avisa ao leitor:
“Este livro não quer ser um falso estudo acadêmico, como o daqueles
estudiosos, e sim uma provocação. Uma pequena coletânea de pesquisas
históricas sérias, irritantes e desagradáveis, escolhidas com o objetivo
de
enfurecer um bom número de cidadãos.” É verdade: esse guia enfurecerá
muitas pessoas. Porém, é também verdade que a história, assim, fica
muito mais
interessante e saborosa para quem a lê.
Narloch é ex-jornalista da revista Veja e editor da revista Superinteressante. No livro, Narloch defende, através de pesquisas históricas, que grande parte das máximas defendidas por estudiosos da história do Brasil são irreais ou distorcidas. Algumas das afirmações feitas no livro defendem que Santos Dumont não foi o inventor do avião, que Zumbi dos Palmares tinha escravos, que os portugueses ensinaram os índios brasileiros a preservar as florestas, entre outras.
Ele também é um dos autores de: Guia Politicamente Incorreto da América Latina e Guia Politicamente Incorreto da Filosofia
Um trecho para você ler:
Cinco
verdades que você não deveria conhecer
Em 1646, os jesuítas que tentavam
evangelizar
os índios no Rio de Janeiro tinham um problema. As aldeias
onde moravam com os nativos ficavam perto de engenhos que produziam vinhos e aguardente.
Bêbados, os índios tiravam o sono dos padres. Numa carta de 25 de
julho daquele ano, Francisco Carneiro, o reitor do colégio jesuíta,
reclamou que o álcool provocava "ofensas a Deus, adultérios,
doenças, brigas, ferimentos, mortes" e ainda fazia o pessoal faltar
às missas. Para acabar com a indisciplina, os missionários decidiram
mudar três aldeias para um lugar mais longe, de modo que não ficasse
tão fácil passar ali no engenho e tomar umas. Não deu certo.
Foi só os índios e os colonos ficarem sabendo da decisão
para se revoltarem juntos. Botaram fogo nas choupanas dos padres, que imediatamente
desistiram da mudança.
Os
anos passaram e o problema continuou. Mais de um século depois, em 1755,
o novo reitor se dizia contrariado com os índios por causa do "gosto
que neles reina de viver entre os brancos". Era comum fugirem para as vilas
e os engenhos, onde não precisavam obedecer a tantas regras. O reitor escreveu
a um colega dizendo que eles "se recolhem nas casas dos brancos a título
de os servir; mas verdadeiramente para viver a sua vontade e sem coação
darem-se mais livremente aos seus costumados vícios". O contrário
também acontecia. Nas primeiras décadas do Brasil, tantos portugueses
iam fazer festa nas aldeias que os representantes do reino português ficaram
preocupados. Enquanto tentavam fazer os índios viver como cristãos,
viam os cristãos vestidos como índios, com várias mulheres
e participando de festas no meio das tribos. Foi preciso editar leis para conter
a convivência nas aldeias. Em 1583, por exemplo, o conselho municipal de
São Paulo proibiu os colonos de participar de festas
dos índios e "beber e dançar segundo seu costume". 2
Os historiadores já fizeram retratos bem diversos dos índios
brasileiros. Nos primeiros relatos, os nativos eram seres incivilizados, quase
animais que precisaram ser domesticados ou derrotados. Uma visão oposta
se propagou no século 19, com o indianismo romântico, que retratou
os nativos como bons selvagens donos de uma moral intangível. Parte dessa
visão continuou no século 20. Historiadores como
Florestan Fernandes, que em 1952 escreveu
A
Função Social
da Guerra na Sociedade Tupinambá ,
montaram relatos onde a cultura indígena original e pura
teria sido destruída pelos gananciosos e cruéis conquistadores europeus.
Os
índios que ficaram para essa história foram os bravos e corajosos
que lutaram contra os portugueses. Quando eram derrotados e entravam para a sociedade
colonial, saíam dos livros. Apesar de tentar dar mais valor à cultura
indígena, os textos continuaram encarando os índios como coisas,
seres passivos que não tiveram outra opção senão lutar
contra os portugueses ou se submeter a eles. Surgiu assim o discurso tradicional
que até hoje alimenta o conhecimento popular e aulas da escola. Esse discurso
nos faz acreditar que os nativos da América viviam em harmonia entre si
e em equilíbrio com a natureza até os portugueses chegarem, travarem
guerras eternas e destruírem plantas, animais, pessoas e culturas.
Na
última década, a história mudou outra vez. Uma nova leva
de estudos, que ainda não se popularizou, toma a cultura indígena
não como um valor cristalizado. Sem negar as caçadas que os índios
sofreram, os pesquisadores mostraram que eles não foram só vítimas
indefesas. A colonização foi marcada também por escolhas
e preferências dos índios, que os portugueses, em número muito
menor e precisando de segurança para instalar suas colônias, diversas
vezes acataram. Muitos índios foram amigos dos brancos, aliados em guerras,
vizinhos que se misturaram até virar a população brasileira
de hoje. "Os índios transformaram-se mais do que foram transformados",
afirma a historiadora Maria Regina Celestino
de Almeida na tese
Os
Índios Aldeados no Rio de Janeiro
Colonial ,
de 2000. As festas e bebedeiras de índios e brancos mostram
que não houve só tragédias e conflitos durante aquele choque
das civilizações. Em pleno período colonial, muitos índios
deviam achar bem chato viver nas tribos ou nas aldeias dos padres. Queriam mesmo
era ficar com os brancos, misturar-se a eles e desfrutar das novidades que traziam.
O
contato das duas culturas merece um retrato ainda mais distinto, até grandiloquente.
Quando europeus e ameríndios se reencontraram, em praias do Caribe e do
Nordeste brasileiro, romperam um isolamento das migrações humanas
que completava 50 mil anos. É verdade que o impacto não foi leve
– tanto tempo de separação provocou epidemias e choques culturais.
Mas eles aconteceram para os dois lados e não apagam uma verdade essencial:
aquele encontro foi um dos episódios mais extraordinários da história
do povoamento do ser humano sobre a Terra, com vantagens e descobertas sensacionais
tanto para os europeus quanto para centenas de nações indígenas
que viviam na América. Um novo ponto de vista sobre esse episódio
surge quando se analisa alguns fatos esquecidos da história de índios
e portugueses.
Quem
mais
matou índios foram
os índios
Uma
das concepções mais erradas sobre a colonização do
Brasil é acreditar que os portugueses fizeram tudo sozinhos. Na verdade,
eles precisavam de índios amigos para arranjar comida, entrar no mato à
procura de ouro, defender-se de tribos hostis e até mesmo para estabelecer
acampamentos na costa.
Descer do navio era o primeiro problema. Os comandantes
das naus europeias costumavam escolher bem o lugar onde desembarcar, para não
correr o risco de serem atacados por índios nervosos e nuvens de flechas
venenosas. Tanto temor se baseava na experiência. Depois de meses de viagem
nas caravelas, os navegadores ficavam mal nutridos, doentes, fracos, famintos
e vulneráveis. Chegavam a lugares desconhecidos e frequentemente tinham
azar: levavam uma surra e precisavam sair às pressas das terras que achavam
ter conquistado. Acontecia até de terem que mendigar para arranjar
comida, como na primeira viagem de Vasco
da Gama 3
à Índia, em 1498.
O
tratamento foi diferente no Brasil, mas nem tanto. Os portugueses não eram
seres onipotentes que faziam o que quisessem nas praias brasileiras. Imagine só.
Você viaja para o lugar mais desconhecido do mundo, que só algumas
dúzias de pessoas do seu país visitaram. Há sobre o lugar
relatos tenebrosos de selvagens guerreiros que falam uma língua estranha,
andam nus e devoram seus inimigos – ao chegar, você percebe que isso é
verdade. Seu grupo está em vinte ou trinta pessoas; eles, em milhares.
Mesmo com espadas e arcabuzes, sua munição é limitada, o
carregamento é demorado e não contém os milhares de flechas
que eles possuem. Numa condição dessas, é provável
que você sentisse medo ou pelo menos que preferisse evitar conflitos. Faria
algumas concessões para que aquela multidão de pessoas estranhas
não se irritasse.
Para deixar os índios felizes, não
bastava aos portugueses entregar-lhes espelhos, ferramentas ou roupas. Eles de
fato ficaram impressionados com essas coisas
(veja
mais adiante) ,
mas foi um pouco mais difícil conquistar o apoio indígena.
Por mais revolucionários que fossem as roupas e os objetos de ferro europeus,
os índios não viam sentido em acumular bens: logo se cansavam de
facas, anzóis e machados. Para permanecerem instalados, os recém-chegados
tiveram que soprar a brasa dos caciques estabelecendo alianças militares
com eles. Dando e recebendo presentes, os índios acreditavam selar acordos
de paz e de apoio quando houvesse alguma guerra. E o que sabiam fazer muito bem
era se meter em guerras.
O
massacre começou muito antes de os portugueses chegarem. As hipóteses
arqueológicas mais consolidadas sugerem que os índios da família
linguística tupi-guarani, originários da Amazônia, se expandiam
lentamente pelo Brasil. Depois de um crescimento populacional na floresta amazônica,
teriam enfrentado alguma adversidade ambiental, como uma grande seca, que os empurrou
para o Sul. À medida que se expandiram, afugentaram tribos então
donas da casa. Por volta da virada do primeiro milênio, enquanto as legiões
romanas avançavam pelas planícies da Gália, os tupis-guaranis
conquistavam territórios ao sul da Amazônia, exterminando
ou expulsando inimigos. 4
Índios
caingangues, cariris, caiapós e outros da família
linguística jê tiveram que abandonar terras do litoral e migrar para
planaltos acima da serra do Mar.
Em
1500, quando os portugueses apareceram na praia, a nação tupi se
espalhava de São Paulo ao Nordeste e à Amazônia, dividida
em diversas tribos, como os tupiniquins e os tupinambás, que disputavam
espaço travando guerras constantes entre si e com índios de outras
famílias linguísticas. Não se sabe exatamente quantas pessoas
viviam no atual território brasileiro – as estimativas variam muito, de
1 milhão a 3,5 milhões de pessoas, divididas em mais de duzentas
culturas. Ainda demoraria alguns séculos para essas tribos se reconhecerem
na identidade única de índios, um conceito criado pelos europeus.
Naquela época, um tupinambá achava um botocudo tão estrangeiro
quanto um português. Guerreava contra um tupiniquim com o mesmo gosto com
que devorava um jesuíta. Entre todos esses povos, a guerra não era
só comum – também fazia parte do calendário das tribos, como
um ritual que uma hora ou outra tinha de acontecer. Sobretudo os índios
tupis eram obcecados pela guerra. Os homens só ganhavam permissão
para casar ou ter mais esposas quando capturassem um inimigo dos grandes. Outros
grupos acreditavam assumir os poderes e a perspectiva do morto, passando a controlar
seu espírito, como uma espécie de bicho de estimação.
Entre canibais, como
os tupinambás ,
prisioneiros eram devorados numa festa que reunia toda a tribo e
convidados da vizinhança.
Com
a vinda dos europeus, que também gostavam de uma guerra, esse potencial
bélico se multiplicou. Os índios travaram entre si guerras duríssimas
na disputa pela aliança com os recém-chegados. Passaram a capturar
muito mais inimigos para trocar por mercadorias. Se antes valia mais a qualidade,
a posição social do inimigo capturado, a partir da conquista a quantidade
de mortes e prisões ganhou importância. Por todo o século
16, quando uma caravela se aproximava da costa, índios de todas as partes
vinham correndo com prisioneiros – alguns até do interior, a dezenas de
quilômetros. Os portugueses, interessados em escravos, compravam os presos
com o pretexto de que, se não fizessem isso, eles seriam mortos ou devorados
pelos índios. Em 1605, o padre Jerônimo Rodrigues, quando viajou
ao litoral de Santa Catarina, ficou estarrecido com o interesse dos índios
em trocar gente, até da própria família, por roupas e ferramentas:
Tanto
que chegam os correios ao sertão, de haver navio na barra, logo mandam
recado pelas aldeias para virem ao resgate. E para isso
trazem a mais desobrigada gente que podem, scilicet ,
moços e moças órfãs, algumas sobrinhas,
e parentes, que não querem estar com eles ou que os não querem servir,
não lhe tendo essa obrigação; a outros trazem enganados,
dizendo que lhe farão e acontecerão e que levarão muitas
coisas [...]. Outro moço vindo aqui onde estávamos, vestido em uma
camisa, perguntando-lhe quem lha dera, respondeu que vindo pelo navio dera por
ela e por alguma ferramenta um seu irmão; outros venderam as próprias
madrastas, que os criaram,
e mais estando os pais vivos.